Um bom negociador
Produtor é exemplo de como gerar valor à sua operação
É cultural no Brasil associar o adjetivo negociador a um significado negativo. Num país que sofre até hoje por ter construído boa parte de sua sociedade baseada no “jeitinho”, é natural que ao pensar em negociação, se pense na lábia, na esperteza, no passar alguém para trás.
Contudo, há uma parcela da sociedade (graças a Deus, em crescimento), correta e séria, que não confunde negociação com negociata, pois a traduz como o ato de se construir acordos vantajosos para todos os envolvidos, inclusive a sociedade. Nesse mundo se enquadra o produtor de cana de Barretos, Cássio Furtado, que construiu parte de sua exemplar produtividade influenciada por sua capacidade ímpar de negociação com os diversos pares envolvidos na sua operação, construindo com isso um ecossistema que transpira proatividade.
Considerando que o principal ator de negociação de um fornecedor de cana é a usina, é com ela que o produtor construiu uma das melhores pontes, a qual lhe garantiu um insumo indispensável, a água. Como sua propriedade está próxima da unidade industrial, ele consegue irrigar boa parte do canavial depois que gerou valor à sua localização e cedeu uma área para a construção de um tanque de água residuária da indústria, em um clássico exemplo de que uma mão lava a outra. Essa negociação, em específico, merece uma ressalva muito importante, pois em tempos em que a forma de pagamento pela cana depende cada vez mais do acordo e da conversa com a usina, gerar valor deve ser um mantra repetido pelo fornecedor todos os dias.
Diante disso, além do ganho de produtividade e qualidade, ele também poderá melhorar o seu preço com alguma contrapartida. Além do exemplo de Furtado, há outros hipotéticos: abrir um carreador que facilite a logística, fornecer informações para o RenovaBio ou até mesmo assumir alguns manejos, os quais, através da sinergia, trarão vantagens para ambos os lados.
O produtor contou que o desenvolvimento dessa habilidade veio pelo resultado de anos trabalhando com engenharia civil, ofício em que é graduado, principalmente nas três últimas décadas do século passado.
“Trabalhar com construção civil em tempos de inflação galopante, operando no overnight (tática que servia para neutralizar a corrosão da renda), foi uma escola extremamente importante e que trouxe muito conhecimento ao campo, especialmente se pensar em negociação e organização”, lembra Furtado.
Ser organizado é um detalhe do qual ele não abre mão na fazenda, o que dá para perceber ao andar pelos carreadores impecáveis. Além do campo, o produtor ressalta que exige de seu time todos os ambientes limpos e que as máquinas estejam sempre preparadas para serem utilizadas, mesmo que a época do ano não exija tal cuidado.
Porém, somente de bons negócios e organização não daria para se chegar a uma média de 116 toneladas por hectare, resultado alcançado no ano passado. Lembra que a temporada foi marcada por uma forte seca e que o produtor tinha água?
Outra marca do trabalho está na receptividade por inovação. “Não dá para ignorar o que surge de novo, tem que correr constantemente atrás do novo, acompanhar com atenção e analisar os benefícios econômicos e de produtividade que ele trará”, observou o agricultor.
Para isso, ele diz que interage com todas as fontes de informação e completa: “Tenho uma capacidade de integração e de diálogo muito boa. Acho que isso é porque não sinto vergonha de mostrar o que eu não sei, não fico receoso em perguntar”.
Perante essa visão, é natural que toda a equipe tenha a liberdade em propor novas condutas, como conta o colaborador do cultivo de cana que Furtado tem em Goiás, na região de Morrinhos-GO, Wanderson: “Certa vez, vi na propriedade de Barretos uma variedade que achei interessante para a lavoura de Goiás. Falei com o Furtado e ele me deu carta branca para montar um viveiro de mudas dela.
Hoje, é uma das principais cultivares que temos lá”. O agrônomo da Canaoeste, Felipe Volpe, também faz parte desse time. Furtado o enxerga como fundamental para a estrutura, pois reconhece o seu trabalho, junto com todo o portfólio de serviços da associação, como algo extremamente qualificado no sentido de atendimento e orientação. A prova disso vem na declaração de Mário Sérgio, colaborador que cuida do dia a dia na fazenda de Barretos. “Eu posso dizer que o Volpe me ajudou a conhecer as particularidades de um canavial”.
Diante de todas essas lições, Furtado aponta para um perigo que ele se policia constantemente para manter longe, a zona de conforto. Segundo ele, isso faz com que as pessoas se acostumem com o que está dando certo e deixem de perceber as oportunidades que podem fazer o negócio melhorar.
“Para me manter longe da zona de conforto, adoto duas práticas: uma fortíssima atenção às transformações que estão acontecendo e tenho como propósito de vida servir melhor do que já estou servindo”, concluiu Furtado.
Sendo assim, ao olhar o futuro da cana-de-açúcar, ele faz uma constatação realista, pois em decorrência do grande tempo sem modificação no valor do pagamento da cana, aliada a fase da soja com preços altamente competitivos, avalia a migração de cultura, caso o cenário se mantenha.
“A vida do produtor de cana nos últimos anos é espartana. Impostos, burocracia e compressão de margem nos deixaram inertes na atividade, sem possiblidade racional de crescimento e também sem a possibilidade de diminuição dos custos fixos conforme o aumento da produção”, resumiu o produtor.
Por: Marino Guerra – Revista Canavieiros