A chegada do fenômeno El Niño e seus possíveis impactos na cana de açúcar
Modelos atmosféricos projetam um El Niño entre forte a muito forte este ano, o monitoramento das condições climáticas do oceano Pacífico equatorial nunca foi tão importante como agora. O fenômeno oceano-atmosférico El Niño se trata de alterações significativas na distribuição da temperatura da superfície da água do Oceano Pacífico, cujos valores se comportam acima da média climatológica, e isso resulta em grandes alterações climáticas globais, causando estiagens e secas em algumas áreas do planeta, bem como enchentes e inundações em outras.
Segundo a literatura para a caracterização do El Niño é necessário a ocorrência de anomalias positivas de mais ou menos 0,50C no Pacifico Equatorial por algumas semanas o que de acordo com as previsões pode ocorrer no trimestre junho-julho-agosto, cujas probabilidades de configuração do fenômeno são de quase 90%, conforme a Figura 1 .
Na semana entre 14/05/2023 e 20/05/2023 já havia indícios da configuração do fenômeno El Niño, conforme a Figura 2, onde é possível observar que na faixa equatorial do Oceano Pacífico, em destaque, há presença de águas ligeiramente mais quentes.
No que tange as regiões sucroenergéticas do nosso estado, geralmente a atuação do fenômeno El Niño tende a causar condições de temperaturas mais elevadas, e a presença de maior conteúdo de umidade, favorecendo, dessa forma, à s chuvas, mesmo que mal distribuídas.
Entretanto, na eventual possibilidade de configuração de um fenômeno El Niño de forte intensidade, tal situação poderá favorecer a um inverno mais úmido, o que pode ser bastante prejudicial para a concentração de sacarose, afetando, assim, o ritmo de moagem da cana.
No centro-sul do Brasil, grande região produtora de derivados da cana-de-açúcar do país e onde também estão inseridas as nossas áreas sucoenergéticas, a maior parte do processo de esmagamento ou moagem da cana ocorre no período entre maio e setembro, ressalta-se que neste período aproximadamente 80% da temporada é realizada. E no mês de julho, por exemplo, cada dia de paralisação pode significar mais de 200 mil toneladas a menos na produção de açúcar (Czarnikow).
Na temporada 2015 / 2016, a última vez que houve um evento El Niño no Brasil, entre abril e setembro, foram registrados mais de 28 dias de paralisação no Centro Sul do Brasil, representando 60% a mais que a média, segundo informações da Czarnikow.
Diante disso em caso de situação de condições mais úmidas, relativas à configuração e atuação de um episódio de El niño de forte intensidade, a situação descrita poderia levar a impactos negativos, sobretudo econômicos à safra 2023 / 24. Será?
Considerando o último episódio do fenômeno El Niño de forte intensidade ocorrido em 2015 / 2016, onde o mês de julho de 2015 é considerado um dos mais quentes da história, segundo N O AA ( National Oceanic and Atmospheric Administration), nossa região sucroenergética, com destaque para Ribeirão Preto/SP, realmente, apresentou temperaturas acima da média climatológica, com valor superior a 1oC, para o referido mês, conforme apresentado na Figura3 .
Entretanto, ao analisarmos o acumulado de precipitação (mm) do mês de julho de 2015, para região Canaoeste, com destaque para a região de Ribeirão Preto/SP, e apresentado na Figura 4, este valor foi inferior a 5 mm, sendo que a média climatológica de chuva para a região, considerando o mês de julho é de 16 mm (CIIAGRO). Ou seja, nesta situação de El Niño de forte intensidade, no mês considerado um dos mais quentes da história, o mesmo não foi o mais úmido, pelo contrário choveu apenas 31,25 % do total esperado.
Diante disso, observa-se que na literatura não existe uma clara correlação entre a ocorrência do fenômeno El Niño, e as quebras de safra, especialmente, da cultura da cana-de-açúcar. Em parte, isso pode ser explicado pelo fato das áreas sucroalcooleiras do país se concentrarem numa região de transição de influência do fenômeno El Niño. Por exemplo, na região Nordeste o evento é bem marcado pela diminuição das chuvas enquanto na região Sul há um aumento das chuvas. Em áreas como os estados de São Paulo, Minas Gerais e outros da região Centro-Oeste o fenômeno não tem uma assinatura clara e linear, portanto, pode não gerar efeitos significativos, sejam em anos de El Niño quanto em anos de La Niña.
O que resta é aguardar o comportamento oceano-atmosférico dos próximos meses, lembrando que o fenômeno não afeta todas as áreas do planeta de forma imediata. Se ele se estabelece em julho, poderemos sentir seus efeitos de forma mais efetiva 2 ou 3 meses depois, ai sim, poderemos ter uma noção da intensidade do fenômeno El Niño, bem como seus impactos a cultura da cana.
Após três anos da atuação do fenômeno La Niña, e ao que tudo indica, por meio das previsões dos modelos climáticos, que já estamos na fase de princípio do fenômeno climático El Niño, e uma vez que tendências já contam com uma elevação nas temperaturas em diversas partes do globo, a grande pergunta é: Este episódio do El Niño tornará as coisas ainda piores?
Marcelo Romão – Especialista em Meteorologia e Analista de risco de fogo
Felipe Farias – Meteorologista especialista em extremos meteorológicos