Desapropriação de terras produtivas, face a decisão do Supremo Tribunal Federal.
Em julgamento finalizado no dia 01/09/2023 perante o Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi fixado entendimento por unanimidade, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3865, de que “o cumprimento da função social é requisito para que um imóvel produtivo não possa ser desapropriado para fins de reforma agrária”.
Mas qual relação que esse julgamento do STF tem com a lida no campo? Proprietários e possuidores rurais devem ficar preocupados? Podem simplesmente “perder suas terras” para fins de reforma agrária? Contudo, antes de respondermos aos questionamentos postos acima, convém tecermos breves comentários acerca da matéria posta em julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Importante frisar que mencionada Ação Direta de Inconstitucionalidade foi proposta pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA no ano de 2007, questionando a constitucionalidade da Lei nº 8.629/1993, que regulamentou alguns dispositivos constitucionais atinentes à reforma agrária.
O posicionamento defendido pela CNA é no sentido de que a exigência simultânea dos requisitos de produtividade e função social é inconstitucional e, ao autorizar a desapropriação de terras produtivas por suposto descumprimento de função social, o Estado estaria dando a elas tratamento igual ao dado às terras efetivamente improdutivas, penalizando ambas da mesma forma, ou seja, com possibilidade de desapropriação para fins de reforma agrária.
Segundo entendimento do STF, mais precisamente do relator, Ministro Edson Fachin, é exatamente o uso socialmente adequado da propriedade que a legitima, tendo sido anotado que o artigo 184 da Constituição Federal, desde a assembleia constituinte de 1988, sempre autorizou a desapropriação por interesse social de imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, ponderando ainda que o critério de produtividade já é considerando quando da análise da função social da propriedade, de acordo com o inciso II, do citado artigo 184.
Para melhor entendimento do tema acima, precisamos esclarecer, em breves linhas, o que vem a ser função social da propriedade. De acordo com o artigo 186 da Constituição Federal, “a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”
Ou seja, para que uma propriedade rural cumpra sua função social, ela deve realizar um aproveitamento racional e adequado do solo, utilizar de forma adequada os recursos naturais ali disponíveis, preservar o meio ambiente, observar as normas que regulam as relações de trabalho e realizar uma exploração da terra que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Como exceção à desapropriação para fins de reforma agrária, estão as pequenas e médias propriedades rurais, assim definidas pela legislação, desde que seu proprietário não possua outra e, também, as propriedades produtivas que, neste caso, também devem observar os requisitos legais de sua função social, de acordo com o artigo 185, da Constituição Federal.
Logo, analisando-se o disposto na Constituição Federal conforme dito acima, vemos que, desde sua promulgação em 1988, já era prevista a possibilidade de desapropriação de propriedades rurais para fins de reforma agrária, por óbvio, desde que fossem cumpridos vários requisitos. Inclusive um deles é o fato de que a propriedade rural deve ser produtiva.
Então, analisando-se a Constituição Federal, vemos que o assunto aqui posto em discussão não é novo, coube apenas ao STF julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que lá tramitava, dando a ela decisão em conformidade com a Carta Magna.
Além do mais, todo e qualquer procedimento de desapropriação para fins de reforma agrária, assim como qualquer outro procedimento de desapropriação, deve passar por um devido rito administrativo/judicial, com a participação dos proprietários, possuidores, ente desapropriante, etc, onde serão analisadas as razões, o contraditório e a ampla defesa, verificado se a propriedade rural cumpre ou não sua função social, calculada a devida indenização, dentre outras etapas.
Por fim, respondendo às indagações feitas anteriormente, o STF não está interferindo na lida do campo propriamente dita, apenas julgou uma matéria que lhe foi posta à apreciação, dando a ela solução em conformidade com a Constituição Federal de 1988, sendo que os proprietários e possuidores que cumprem a função social de suas propriedades, não devem ficar preocupados pois não podem simplesmente “perderem” suas terras.
Contudo, aconselha-se que o proprietário/possuidor de imóvel rural tenha formas de demonstrar o cumprimento da função social em suas devidas áreas, trabalhando em conformidade com a legislação aplicável, tendo notas fiscais de seus produtos, obedecendo às legislações de regência sobre agrotóxicos, respeitando as normas trabalhistas, mantendo produção adequada em suas áreas e respeitando as normas de preservação do meio ambiente.
Assim, se porventura em algum momento venha a sofrer um processo de desapropriação para fins de reforma agrária, tenha como demonstrar o cumprimento da função social, defendendo assim sua propriedade rural. Agindo assim, certamente não há com o que se preocupar.
Diego Rossaneis – Advogado
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