Recuperação Judicial: fique atento às providências!
Nos últimos tempos, não raras são as vezes que os agricultores – dentre os quais, infelizmente, estão inseridos os produtores de cana-de-açúcar – são surpreendidos com o pedido de recuperação judicial pelas indústrias responsáveis pelo processamento de seus produtos.
Não há dúvidas que o pedido de recuperação judicial acarreta consequências no dia a dia do produtor, em especial a incerteza quanto ao recebimento de seus créditos, qual será o futuro da indústria, como ficará a questão dos pagamentos dos novos fornecimentos, dentre diversas outras questões que podem surgir, tudo a depender do caso concreto.
Assim, devem ser pontuadas algumas questões importantes relativas ao funcionamento do processo de recuperação judicial, compreendendo a observância de prazos fixados na lei para que o credor possa exercer e resguardar seus direitos junto aos devedores.
O primeiro ponto que merece destaque é a data do protocolo do pedido na Justiça. Essa data é o marco temporal divisor de quais dívidas devem obrigatoriamente ser pagas dentro do plano de recuperação judicial, e quais devem continuar sendo pagas normalmente. O art. 49, da Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005), diz que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
Trazendo para o caso concreto, todos os créditos decorrentes do fornecimento de produtos à indústria, não pagos até a data do pedido de recuperação judicial, deverão ser pagos conforme for ajustado no plano de recuperação judicial. Os fornecimentos ocorridos após a data do pedido devem continuar sendo pagos na forma e prazo contratados, não sofrendo qualquer alteração.
Os produtores de cana-de-açúcar têm uma situação peculiar quando se trata de fornecimento/recebimento pelo sistema Consecana. Como se sabe, o fechamento da safra ocorre apenas no início do ano seguinte ao da entrega, quando são feitos os ajustes com base no preço do ATR. Nessa hipótese, caso a entrega do produto tenha ocorrido antes do pedido de recuperação judicial, o valor do fechamento da safra também deverá ser pago conforme constar do plano que vier a ser aprovado pelos credores.
Muitos se perguntam se, após o pedido de recuperação judicial, têm os agricultores a obrigação de entregar o produto, mesmo não tendo recebido (total ou parcialmente) o que lhes é devido. A resposta é sim, o contrato deve continuar sendo cumprido por ambas as partes, inclusive sob pena de falência caso a indústria não cumpra sua parte no contrato.
Caso o produtor rural opte por não mais continuar com o fornecimento, deverá procurar um advogado de sua confiança e ingressar com uma ação judicial visando à rescisão do contrato firmado, sujeitando-se a todos os percalços e custos que esse tipo de disputa acarreta.
Em relação aos prazos, a lei estabelece sua observância a todos os envolvidos no processo (credores e devedores), cada qual com suas particularidades. Quanto aos devedores, merecem destaque os seguintes pontos (que têm início com o deferimento do processamento da recuperação judicial, onde o Juiz determina):
• A suspensão do curso da prescrição e de todas as ações e execuções promovidas contra o devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário, pelo prazo de 180 dias;
• A publicação de edital (no Diário Oficial e em jornal de grande circulação local) contendo a relação de credores, contemplando valores, natureza e classificação de cada crédito,
• A apresentação do plano de recuperação judicial, no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias contados da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial.
Os credores também devem ficar atentos aos prazos previstos na lei. Como dito acima, existe a publicação de uma relação, a qual deve ser conferida por cada um dos credores para verificar se o valor que lhe é devido foi corretamente elencado pelas devedoras.
Caso o credor constate que seu nome não foi incluído na relação, ou, se fora incluído, o valor não está correto, deverá procurar um advogado para que, de posse da documentação comprobatória de seu crédito (notas fiscais, comprovantes de entrega do produto, planilhas demonstrativas, etc.), faça, perante o administrador judicial nomeado pelo juiz, a habilitação ou impugnação do crédito listado.
Esse prazo é de 15 (quinze) dias, contado a partir da publicação da relação de credores no Diário Oficial, e deve obrigatoriamente ser observado pelos credores. Na hipótese de não observância desse prazo, haverá posteriormente outra oportunidade (após a análise feita pelo administrador judicial dos créditos habilitados ou impugnados), mas desta vez dirigida ao juiz, e sujeita inclusive ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios ao advogado da parte contrária, na hipótese de improcedência da habilitação ou impugnação).
Após esses procedimentos, será convocada uma Assembleia Geral de Credores, que deve ser realizada em, no máximo, até 150 (cento e cinquenta) dias contados da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial, ocasião na qual os credores, por si ou por seus advogados, discutirão com as devedoras o plano de recuperação judicial, o qual, uma vez aprovado em assembleia, será levado à aprovação do Poder Judiciário.
Nas hipóteses em que o valor do crédito foi corretamente listado, não é obrigatório que o credor esteja representado por advogado, pois poderá comparecer à assembleia geral de credores pessoalmente.
Nossa orientação, todavia, é que o credor sempre esteja assistido por profissional da área jurídica, com conhecimento acerca do funcionamento do processo de recuperação judicial e que acompanhe diariamente o que está acontecendo no processo, até porque as informações quase nunca são levadas diretamente ao conhecimento dos credores, pois tudo ocorre dentro do processo de recuperação judicial (a exemplo de juntada de lista de credores, plano de recuperação judicial, designação de assembleias, etc.), cujas decisões são publicadas em nome dos advogados que atuam no processo, e não são enviadas diretamente aos credores.
Enfim, o caminho é tortuoso, mas que deve ser observado à risca pelos credores, visando, com isso, minimizar os prejuízos decorrentes do processo de recuperação judicial.
Escrito por: André Fernando Moreno – Advogado da BBMO Advogados Associados.
Fonte: Revista Canavieiros.