Safra global de cana revela contrastes climáticos e incertezas para o mercado mundial de açúcar

O cenário climático mundial tem influenciado diretamente a formação das principais safras de cana-de-açúcar e, consequentemente, a dinâmica de produção e oferta de açúcar no mercado global. A análise detalhada de regiões como Brasil, Ásia e Europa revela um quadro multifacetado, com desafios, recuperações e incertezas que exigem atenção redobrada do setor sucroenergético.
No Brasil, a safra em andamento carrega as marcas de um 2023 marcado por uma seca severa entre maio e setembro, com episódios de incêndios que comprometeram a vitalidade dos canaviais. Apesar desse cenário inicial adverso, as chuvas retornaram com intensidade entre outubro e janeiro, o que possibilitou uma recuperação parcial das lavouras. Após um breve período de estiagem entre fevereiro e março, os meses de abril, maio e junho apresentaram bons volumes pluviométricos, contribuindo para uma retomada do desenvolvimento da cana. Embora muitos tenham decretado a perda da safra, especialistas reforçam a resiliência da cultura, que tende a se recuperar quando o estresse hídrico é revertido a tempo.
A situação na Ásia é oposta e inspiradora. Índia e Tailândia vêm registrando dois anos consecutivos de condições climáticas favoráveis. Na Índia, as chuvas chegaram de forma antecipada em abril, proporcionando excelente umidade no solo e condições ideais de desenvolvimento da lavoura, com alternância de dias secos e ensolarados e noites chuvosas — o cenário ideal para o cultivo da cana. As precipitações se mantiveram acima da média em boa parte das regiões até junho. Verificações de campo confirmaram o bom stand das plantações e indicam aumento de área, motivado tanto pelos níveis elevados dos reservatórios quanto pela competitividade da cana frente a outras culturas.
A produção indiana deve alcançar 32 milhões de toneladas líquidas de açúcar, mesmo com 4,5 milhões de toneladas desviadas para a produção de etanol — que já atinge 20% de blend na gasolina. Trata-se de uma safra de recuperação, com projeções puxadas por estados produtores como Maharashtra e Uttar Pradesh.
Na Tailândia, as preocupações iniciais com falhas de produção relatadas entre dezembro e janeiro foram minimizadas com a regularização climática. Com uma estimativa de 11,2 milhões de toneladas, a safra poderá ser a maior dos últimos seis anos. Apesar de algumas queixas quanto à ocorrência de manchas na cana no nordeste do país, o clima geral segue favorável. Uma validação de campo prevista para agosto deverá confirmar os resultados.
A Europa, por sua vez, enfrenta dificuldades mais persistentes. O clima instável e errático, alternando entre períodos quentes e frios, tem prejudicado o desenvolvimento das lavouras. A seca recente agrava ainda mais a situação. Relatórios apontam retração de área plantada de até 10% em algumas regiões, com países como o Reino Unido registrando redução devido à proliferação de vetores de doenças. O resultado é uma queda significativa na produção, não apenas por produtividade, mas por abandono de áreas de cultivo. No continente, o sinal é claro: menor oferta, o que tende a impactar os balanços de mercado.
Voltando ao Brasil, a chamada “zona de conforto” para a produção mundial, os desafios continuam. O início da safra atual foi impactado pelo gap de produtividade herdado de 2023, com um desvio negativo de até 15% em abril. A expectativa, no entanto, é que esse desvio venha sendo reduzido gradualmente, sobretudo por causa da melhora na umidade do solo nas regiões centro-sul. Os gráficos de monitoramento mostram evolução positiva do TCH (tonelada de cana por hectare) e expectativa de melhor desempenho na cana de meio e final de safra.
Um ponto de atenção é o impacto de uma geada registrada em junho, cujos efeitos ainda estão sendo avaliados. Embora não se compare à intensidade das ocorridas em 2021, a abrangência do fenômeno pode gerar revisões nas estimativas de moagem. A dificuldade em analisar imagens de satélite, devido à cobertura de nuvens na semana da geada, complica a mensuração dos danos, mas já há relatos de impacto visível em algumas áreas de baixada.
Diante disso, a grande dúvida do setor é: qual o máximo percentual de açúcar possível nesta safra? A expectativa é que o mix açucareiro atinja 51,5%, graças à otimização da capacidade de cristalização, que no ano passado ficou aquém do ideal por causa de falhas na qualidade da cana e aumento do direcionamento ao etanol. A projeção atual indica uma moagem de 607 milhões de toneladas, com 41,3% destinadas à produção de açúcar e um ATR médio de 138,8. Esse número, no entanto, pode ser revisto para baixo — talvez abaixo de 600 milhões — caso os impactos da geada sejam mais severos do que o inicialmente previsto.
A estimativa do mercado segue oscilando, girando em torno de 595 milhões de toneladas, com uma leve onda de pessimismo observada a partir de março, quando o clima voltou a secar. As chuvas de abril estabilizaram as projeções, mas o comportamento do TCH em junho será decisivo. Se o pico de produtividade tiver sido em maio, a safra tende a ser menor. Se for confirmado um novo pico em junho, o Brasil poderá alcançar ou até superar os 600 milhões de toneladas.
No panorama global, a oferta segue apertada. Apesar das boas safras na Ásia e da recuperação em andamento, os estoques mundiais vêm sendo consumidos continuamente. Nos últimos sete anos, seis registraram déficit entre produção e consumo. A safra 2024/25 deverá apresentar um leve superávit, estimado em menos de dois milhões de toneladas — número que, embora positivo, não oferece margem de segurança diante de qualquer nova instabilidade climática. Os estoques de consumo global estão nos menores níveis dos últimos 20 anos, o que significa que qualquer contratempo pode recolocar o mercado em situação de desequilíbrio.
Por fim, a análise do fluxo global de comércio (trade flow) aponta superávit importante no terceiro trimestre — período de maior atividade do Brasil. Ainda assim, a incerteza permanece. Os olhos do setor estão voltados para a confirmação das produtividades no Brasil e para o comportamento climático nas regiões produtoras. A conjugação desses fatores definirá não só o equilíbrio de oferta e demanda no curto prazo, mas também os rumos da política de preços e estratégias de mercado em escala mundial.
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