Tensões tarifárias e cenário econômico freiam novos investimentos no setor bioenergético brasileiro

A instabilidade provocada pela nova política tarifária dos Estados Unidos e o cenário de juros elevados no Brasil colocaram o setor de bioenergia em estado de alerta. A avaliação, apresentada por Martinho Seiiti Ono, CEO da SCA Brasil, durante reunião com executivos e investidores do banco JP Morgan no país, sinaliza que novos investimentos no setor devem esperar um ambiente mais previsível e estável antes de avançarem.
O encontro, realizado na terça-feira (8), discutiu os reflexos das recentes medidas adotadas pelo presidente norte-americano Donald Trump, em especial o chamado “Liberation Day”, que marcou o início das novas tarifas comerciais. Ono enfatizou que a imposição de tarifas sobre a importação de etanol pode desencadear uma série de efeitos econômicos, exigindo do setor estratégias mais ágeis para responder aos riscos do cenário internacional.
Etanol brasileiro sob pressão externa e interna
A partir de 1º de abril, os EUA elevaram de 2,5% para 12,5% a tarifa sobre o etanol importado, impactando diretamente as exportações brasileiras. Em contrapartida, a tarifa de 18% aplicada ao etanol americano é imposta pelo Mercosul — e não especificamente pelo Brasil —, o que pode abrir espaço para discussões bilaterais.
“Nosso etanol, especialmente o exportado para a Califórnia, é mais sustentável do que o de milho dos EUA. Mas uma possível redução da tarifa sobre o etanol americano poderia tornar o produto deles mais competitivo aqui, desestimulando o consumo do nosso combustível”, alertou Ono.
Outro ponto crítico foi a recente queda nos preços internacionais do petróleo e da gasolina, que pode levar a reduções nos preços praticados pela Petrobras. Essa defasagem impactaria diretamente o mercado de etanol, pressionando os preços para baixo. Ainda assim, Ono lembrou que a demanda interna se manteve forte, mesmo com os preços do etanol situados abaixo de 70% da paridade com a gasolina em estados como São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso.
Perspectivas para exportação e novos mercados
Apesar das tensões, Ono também destacou possíveis oportunidades que se abrem para o Brasil. Com as tarifas americanas tornando o etanol dos EUA menos atrativo para compradores internacionais, o produto brasileiro pode ganhar força em mercados como Ásia e Europa, onde acordos de livre comércio favorecem as exportações nacionais.
“Esse reposicionamento pode expandir a fatia brasileira no comércio global de biocombustíveis, substituindo parte do suprimento americano”, observou o executivo, destacando o papel estratégico de acordos bilaterais para ampliar o acesso do etanol nacional a novos destinos.
Safra 2024/25 supera expectativa, mas próxima tende à queda
Na avaliação da safra, Ono revelou que a colheita de cana-de-açúcar em 2024/25 fechou em 620 milhões de toneladas, superando as expectativas. No entanto, a safra 2025/26 deve apresentar retração, com projeções entre 590 e 600 milhões de toneladas.
Entre os fatores que justificam a queda, estão a quase ausência de cana bisada, que somou 20 milhões de toneladas na safra anterior; áreas queimadas com recuperação insuficiente, prejudicando a colheita e baixo índice de renovação dos canaviais, causado pela estiagem, que postergará parte da produção.
Esses elementos, segundo o CEO da SCA Brasil, apontam para uma colheita menor e uma moagem mais limitada no próximo ciclo.
E30 e reforma tributária podem impulsionar o setor
Entre as propostas que podem beneficiar o setor a médio prazo está a aprovação da mistura de 30% de etanol na gasolina (E30), atualmente em análise pelo Conselho Nacional do Petróleo (CNP) e pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). A medida poderia gerar um aumento de até 1,3 bilhão de litros por ano na demanda interna, criando um novo impulso ao setor.
Outro avanço esperado é a entrada em vigor, já em maio, da monofasia do imposto federal, medida que promete reduzir a evasão fiscal por parte de intermediários informais, os chamados “barrigas”. Para Ono, isso resultará em um mercado mais equilibrado e aumento na arrecadação, além de impulsionar a competitividade das empresas formais.
Etanol de milho e cenário competitivo
Durante a reunião, investidores também questionaram os impactos do alto custo do milho, ingrediente-chave para o etanol produzido em usinas do Centro-Oeste. Segundo Ono, embora o preço elevado do milho e a queda no preço da gasolina pressionem as margens, usinas integradas, com forte operação logística e contratos firmes de venda de DDG (coproduto utilizado na alimentação animal), devem suportar melhor o cenário adverso.
“A venda de milho no lugar do etanol, por ora, não parece uma saída viável. As usinas bem estruturadas seguirão produzindo, embora com margens mais apertadas”, concluiu.
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