Mais que segurança, respeito
Parceria entre Copercana, Canaoeste e Sicoob Cocred com Polícia Militar leva cidadania ao campo
Dentre tantos problemas que o produtor de cana do interior do Estado de São Paulo e Triângulo Mineiro teve que enfrentar a partir da virada do século está um assunto importante que nunca tomou as proporções que deveria: o da insegurança.
Mais que a mudança no manejo em decorrência do fim do corte da cana queimada, além da política de preços subsidiados da gasolina que quase dizimou com a indústria do etanol brasileira, veio um estatuto de desarmamento totalmente inconsequente, que deixou ao homem do campo apenas seus punhos, facões e corajosos cachorros como defesa contra o crime, que não tardou para perceber a oportunidade.
Nesses quase vinte anos foram inúmeros tratores, caminhões, implementos, insumos e até vidas perdidas em razão da extrema facilidade com que bandidos invadem fazendas e sítios e aprontavam o diabo, não causando apenas prejuízos financeiros, mas ferindo a dignidade de quem retira o seu sustento do trabalho com a terra.
Ao longo de 2019, finalmente parece que esse jogo começou a ficar um pouco mais equilibrado, e não apenas pela volta da liberdade do produtor em portar sua arma dentro de sua propriedade, mas também pela sinergia ocorrida através do trabalho em conjunto da Segurança Pública e instituições que representam o produtor rural, o que culminou no lançamento, a partir de dezembro, do “GPS Rural”.
Mais que uma promessa de ação, significa o pontapé inicial de uma mudança de rota de 180 graus nos conceitos de segurança pública rural, que terá outras fases e resultará cada vez mais na transferência do medo sentido pelo agricultor de outrora para o criminoso que pretende tentar alguma coisa no campo.
Um filho que nasceu de três partes distintas, a primeira vinda do conhecimento da Canaoeste em georreferenciamento, conquistado a partir do trabalho iniciado no CAR (Cadastro Ambiental Rural) em 2012, que iniciou um minucioso e custoso processo de mapeamento das propriedades, e foi aprimorado na implantação do sistema de monitoramento de incêndios no ano passado.
A segunda parte vem dos recursos financeiros e de mão de obra oriundos da Copercana e Sicoob Cocred, que não mediram esforços para a produção, distribuição e instalação de todo o material de identificação e instrução (placas, imãs de geladeira e cartilha orientativa).
Para encerrar, temos o primoroso trabalho feito pelo 43º BPMI (Batalhão de Polícia Militar do Interior), comandado pelo tenente coronel Alexandre Wellington de Souza e a sua valorosa equipe que está levando ao campo a tranquilidade já vivenciada pela área urbana, consequência da implementação de diversos projetos, com destaque ao “Vida”, que se resume numa engrenagem construída ao lado do poder judiciário e concretizada com extremo sucesso. Hoje, além de pioneiro, o projeto é considerado revolucionário dentro da disciplina.
Como se trata de uma política de segurança pública, era impossível para as três instituições privadas privilegiar, de alguma forma, somente seus associados e/ou cooperados. Mesmo assim investiram pesado (dinheiro e conhecimento) para o bem da sociedade, evidenciando uma das principais virtudes do associativismo e cooperativismo – garantir o desenvolvimento da sociedade. Vale muito a pena uma reflexão sobre isso.
GPS Rural é iniciado
Dia 10 de dezembro de 2019 – essa data ficará gravada na história da segurança rural de Sertãozinho. Isso porque foi na manhã dela, no auditório da Canaoeste, que aconteceu o evento que marcou a efetivação do programa GPS Rural.
A ocasião, que contou com a participação de diversas autoridades, membros da Polícia Militar e produtores rurais, foi aberta com um breve pronunciamento do diretor-presidente executivo da Copercana, Francisco César Urenha, que ressaltou em sua fala o antagonismo existente ao olhar a força do agronegócio e o quanto ele é ainda arcaico em termos de segurança pública.
Em seguida, o gestor jurídico e ambiental da Canaoeste, Juliano Bortoloti, lembrou de como tudo começou, quando através de um convite da Polícia Militar feito a ele para conhecer diversas ações, foi possível identificar sinergias que dariam impulso para a execução do plano.
“A partir do momento que a Polícia Militar, a associação e as cooperativas conseguiram traçar uma rota em parceria, culminou no resultado de trazer segurança para o setor rural de Sertãozinho poder ficar tranquilo, pois agora ele é visível para os serviços, não só policiais, mas outros como saúde e até mesmo correios. Com o GPS Rural implementado, o campo está integrado à sociedade”, disse Bortoloti.
O gestor de geotecnologia da associação, Fábio Soldera, mostrou toda a trajetória da formação do banco de dados que começou com o trabalho do CAR (Cadastro Ambiental Rural) das propriedades associadas em 2012 e foi aprimorado no projeto de monitoramento de queimadas (concluído em 2018).
Ele também apresentou o mosaico da área rural do município que foi desenhado através da visita a todas as propriedades, o que rendeu a produção e instalação de mais de 130 placas, atingindo praticamente 100% das fazendas e sítios do município.
E encerrou sua participação relembrando da importância sobre o zelo que o produtor precisa ter com suas placas, pois elas são o principal meio de identificação para os policiais chegarem à propriedade com exatidão.
Para mostrar a visão detalhada da Polícia Militar foi escalado o tenente-coronel Alexandre Wellington de Souza, comandante do 43º BPMI de Sertãozinho, que abriu seu pronunciamento dizendo que o GPS Rural é uma fase inicial dentro do “Projeto Vida Rural Mais Segura”, que consiste na implementação de uma sequência de ações, tornando cada vez mais possível à corporação cumprir com o seu principal objetivo – proteger as pessoas do campo.
Dito isto, Souza fez uma retrospectiva de todos os processos que culminaram na realização do programa, sendo o pontapé inicial o levantamento das ocorrências nas propriedades, o que gerou um diagnóstico contendo conclusões importantes como o período de maior incidência dos casos, tipos de armas, quantidade de integrantes, objetos dos roubos e tempo de ação.
Também foi feito o levantamento dos principais obstáculos que dificultavam o atendimento às ocorrências como a não roteirização das vias de acesso (estradas de terra), falta de identificação das sedes das propriedades e o fato de terem múltiplas propriedades com o mesmo nome, problemáticas que precisavam ser resolvidas.
Um terceiro diagnóstico ainda foi levantado pela polícia, o operacional. Nele foram enumerados problemas como veículos não apropriados para andarem fora de estrada pavimentada e desconhecimento das rotas de fuga de bairros ou regiões rurais – um problema agravado, pois quando um agente passava a ter certo conhecimento em razão da rotina, tinha que ser substituído em decorrência da rotatividade de efetivo.
Outros obstáculos operacionais elencados pelo tenente-coronel foram: dificuldade de apoio (se até a viatura destinada a atender à ocorrência enfrentava obstáculos, imagina as outras, caso precisassem socorrer), falta de proximidade com os moradores e treinamento específico para atuar naquele tipo de ambiente.
Assim, foram buscadas soluções, sempre pensando em agregar tecnologia ao projeto. Com isso, para o problema de georreferenciamento das propriedades, a parceria com a Canaoeste, que já detinha esse banco de dados, foi fundamental.
Tendo as localidades definidas foi feito o roteamento das vias públicas, serviço que exigiu que a polícia percorresse as áreas para determinar as condições de trânsito. Ao longo da implementação do programa também foi desenvolvida uma aproximação com os moradores e a troca de informações com outros órgãos públicos.
Por fim, era necessário que todas as informações coletadas e organizadas fossem agrupadas e embarcadas nas viaturas. Para isso foi utilizada a estrutura de terminais portáteis de dados (tablets e celulares), já implementadas em decorrência do “Projeto Vida”, que viabilizou a compra dos equipamentos através de uma parceria entre a PM e o Poder Judiciário, transferindo recursos oriundos, inclusive, de sentenciados.
Como arremate final ficou a explanação sobre a produção, distribuição e instalação do material de identificação das propriedades (placa e imã), evidenciando o momento em que surgiram como apoiadoras fundamentais (através de investimento financeiro e mão de obra) as cooperativas Copercana e Sicoob Cocred.
Representando o Poder Judiciário, o juiz da 1ª Vara Criminal de Sertãozinho, dr. Angel Tomas Castroviejo, parabenizou o esforço de todos os atores na concretização do projeto. Posteriormente, disse que ações como o GPS Rural e o Projeto Vida são exemplos concretos de como a informação integrada é uma arma fundamental à segurança pública.
Ele reforçou ainda a questão do financiamento do programa de fiscalização dos presos que estão em liberdade condicionada, sendo quase todo o seu custo financiado por recursos oriundos dos próprios sentenciados, e garantiu dizendo que na “saidinha de Natal” de 2019 todos que ganharem as ruas e tiverem ligações com Sertãozinho estarão sendo acompanhados de perto pela lei.
Castroviejo finalizou alertando que tanto a ampliação do programa para cidades vizinhas, como a atualização do cadastro precisam ganhar um caráter contínuo para se manterem eficientes.
Já o vice-prefeito, Nilton César Teixeira, falou sobre o excelente trabalho que o tenente-coronel Wellington vem realizando em Sertãozinho e parabenizou a Copercana, Canaoeste e Sicoob Cocred por se envolverem, como entidades privadas, numa questão de segurança pública.
Encerrando os trabalhos, fez uso da palavra o coronel Carlos Machado, comandante do CPI-3 (Comando de Policiamento do Interior da Região de Ribeirão Preto), que fez um breve resumo da estrutura e raio de atuação de toda a força policial submetida ao seu comando, protegendo 93 municípios que formam uma população de quatro milhões de habitantes. Somente a título de comparação, esse número é maior do que a população do Uruguai.
Desse território, a autoridade policial destacou que cerca de 70% é rural, e ainda mostrou que, em Sertãozinho, apenas 10% da área, de 3 mil km2 são urbana, fator que justifica a atenção especial das forças públicas de segurança.
Machado também apresentou números importantes sobre o nível de segurança da região de Ribeirão Preto, sendo o mais expressivo a taxa de 5,84 por 100 mil habitantes no último ano, mais seguro que Chicago (EUA), onde a média é 20.
O coronel encerrou assumindo o compromisso de que enquanto estiver no cargo trabalhará para que todos os municípios sob sua responsabilidade implantem o GPS Rural, mas destacou que para isso precisará da parceria da iniciativa privada, nos mesmos moldes de Sertãozinho.
Fonte: Revista Canavieiros
Escrito por: Marino Guerra
Fotos: Rodrigo Moisés