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Toque feminino, de ponta a ponta

fernando dos reis filho

Há um bom tempo, as mulheres ocupam posições de destaque no setor sucroenergético. Executivas e empresárias de grupos de usinas e das gigantes fornecedoras de insumos, implementos e máquinas; produtoras rurais, gerentes de fazendas e cooperativas; engenheiras e profissionais ligadas com a pesquisa e desenvolvimento, enfim, tomadoras de decisão que formam opinião em todas as áreas de negócios do segmento.

Porém, não é somente nos cargos de liderança que se mede a inclusão feminina, é preciso ver se a força de trabalho também vem sendo ocupada por elas e, principalmente, se há paridade de ganhos e direitos na execução de funções semelhantes.

Como se trata de uma atividade que exige trabalho pesado, vide as operações de “guerra” que consistem o manejo da cana-de-açúcar ou as máquinas e equipamentos enormes fabricados nas metalúrgicas e as carretas ou conjuntos gigantescos que evacuam a produção, leva muitas vezes as pessoas, num raciocínio curto, concluírem que a presença das mulheres é mínima.

Ledo engano. Hoje elas estão presentes em funções que muitos ainda consideram restritas aos homens com resultados expressivos a cada nova oportunidade.

É de menina!

Uma garotinha que ao longo da infância, por morar perto da rodovia de uma cidade de DNA canavieiro, tinha como uma das principais diversões observar os caminhões que transitavam com as moendas, caldeiras ou outro equipamento industrial de uma usina, que de tão grandes tinham veículos coloridos na frente e atrás usados para alertar a presença dos monstros que ocupavam as duas faixas, ou os romeus e julietas e treminhões que rasgavam o horizonte abarrotados de cana rumo às chaminés das usinas.

Essa é a recordação da motorista Luciana de Souza Lima, que em determinado momento de sua vida decidiu interromper sua atividade como doméstica e investiu no seu grande sonho, o de comandar os grandes caminhões que a encantavam quando criança.

Com a trajetória iniciada nos ônibus urbanos de Sertãozinho, ela entrou na Copercana com função parecida, responsável pelo transporte dos colaboradores que atuam na Unidade de Grãos 1, porém, já com o objetivo de alcançar o seu sonho e apoio da família, tirou a carta na categoria “E”, que permite ao motorista conduzir unidades acopladas acima das seis toneladas (carretas, caminhões com reboque e semirreboques articulados) e pediu uma oportunidade aos gestores.

“Quando soube que haviam comprado um caminhão-tanque e que seria aberta uma vaga, logo me candidatei. Como o pessoal sempre confiou no meu trabalho, me deram a oportunidade”, disse Luciana.

Questionada se ao longo da sua carreira havia sofrido muito preconceito, ela relatou que desde a época do ônibus urbano se deparou com brincadeiras dizendo que não ia conseguir, mas ao longo do tempo ganhou o respeito dos colegas.

Porém, até hoje enfrenta situações preconceituosas: “A grande maioria das pessoas me ajuda, mas têm que ter aqueles 3%, que quando se deparam com o novo até tratam mal no início, mas com o tempo vamos mostrando nosso valor e logo essa barreira é superada”.

Por último, ela lembrou que a estrutura nas rodovias ainda deixa muito a desejar para atender às necessidades básicas da mulher, como banheiro, por exemplo, mas que isso é facilmente contornado com a satisfação de fazer o que gosta.

Sobre o medo inerente aos diversos riscos que a atividade traz, Luciana conclui: “Tenho medo todos os dias, carrego uma bomba, tenho que dar o meu melhor, ter 100% de prudência, aqui eu não posso errar, eu não posso falhar. Uma distração pode causar uma tragédia muito grande, todos os dias eu penso que tenho minha família me esperando”.

Ela ainda comenta sobre o que pensa sobre desistir: “Eu acho uma palavra muito forte, não pode fazer parte da vida da gente. Se quisermos ser alguém temos que lutar, correr atrás. Sempre vão haver pedras no caminho, eu encontro várias até hoje, mas com o passar do tempo vamos nos tornando mais fortes e também agregamos mais pessoas que nos ajudam a removê-las”.

Com pouco tempo no local, se fez notar uma funcionária desinquieta, andava de um lado para o outro com peças para os mecânicos, na bomba de combustível e entrega de insumos para a turma do campo. Se trata de Irani Silva da Costa, que há cinco anos executa a função de almoxarife responsável pela organização e controle de todos os materiais consumíveis na operação. Ela conta que quando pequena aprendeu a organizar as coisas para o pai, produtor de leite e, com o passar do tempo, cresceu seu conhecimento tomando conta de diversas propriedades ao lado do marido. No passado, Fernando dos Reis trabalhava com pecuária.

Cor-de-roça

Aparentemente, ao chegar no pátio de máquinas da Fazenda Morro Agudo (a visita aconteceu na metade de março, ou seja, época de colheita da soja e plantio da cana), localizada no município de mesmo nome e tocada por Fernando dos Reis Filho e seus três filhos, a impressão é que se trata de uma operação canavieira como qualquer outra, com aquela correria para preparar as máquinas e implementos que vão executar os manejos. e recebeu indicações do casal de um vizinho, como precisava de gente experiente para ajudar na lida, os contratou. A boiada foi embora, mas eles permaneceram remanejados para outras funções. O marido como tratorista e Irani para ocupar uma vaga no almoxarifado.

Ao rodar a área é avistado um pequeno trator no meio do canavial, quem comanda a máquina é Daiane Franciele da Costa Dias, filha da Irani, e que tem uma das maiores missões, nas palavras do próprio Fernando, no manejo do canavial, que é acabar com a grama-seda.

Na batalha há dois anos, quando ganhou a oportunidade de virar tratorista, ela dirige um pequeno Agrale no meio do canavial combatendo todo foco da planta invasora. Além disso, ela também identifica reboleiras com outros tipos de daninhas, principalmente mamonas e cipós e as fotografa com um aplicativo capaz de gravar as coordenadas georreferenciadas que servirão como guia para posteriores manejos e também informações para o time de colheita.

O reconhecimento do seu trabalho já foi conquistado, na safra que se inicia ela comandará um dos transbordos, atuará junto com a operadora de colheitadeira, Andréia Mantovani Paschoal. Com mais de dez anos de experiência em usinas, mesmo entrado na fazenda na última safra, já ganhou elogios do chefe: “Ela foi a que quebrou menos a máquina”.

Em uma safra, a operadora de colheitadeira Andréia já se destacou
pelo cuidado com que realiza a sua função

Andréia relata que o elogio do chefe vem em decorrência de uma atenção constante a todos os detalhes: “Procuro manter ela sempre limpa, por exemplo, quando enrosca um cipó no divisor de fileira é necessário descer e limpar, pois senão há o risco de fogo”.

Um outro ponto destacado pela profissional é que no trabalho dentro de uma fazenda de fornecedor de cana há oportunidade de se aprender outros manejos, como tratos culturais e plantio, o que nunca conseguiu ver nas usinas, onde as funções são mais engessadas.

Alguns quilômetros de carreadores à frente, chega-se num talhão de plantio. Quem opera o trator acoplado num implemento de sulcação e adubação é Eliana de Souza. Ex-cortadora de cana, conquistou a oportunidade como operadora na usina que trabalhava, o que lhe rendeu experiência para atuar na fazenda. Fernando dos Reis contou que na próxima safra vai colocar uma mulher para pilotar um dos caminhões de cana e Eliana ganhará a oportunidade.

Percorrendo os sulcos atrás da turma que joga a cana, observa de forma atenta uma senhora, se trata da dona Francisca Serejo da Silva, a mais antiga do time das mulheres com 14 anos de casa. Dentre os diversos trabalhos que executa no campo, o principal é observar se os manejos estão corretos, como no plantio, onde checa se a cana (pé com ponta) foi colocada de maneira correta.

Ainda há a dona Maria Aparecida Maurício, que deixa toda a estrutura da sede, inclusive as roupas de EPI usadas no campo, limpas e prontas para no dia seguinte todos começarem a lida novamente.

Com quase metade de seus colaboradores já sendo mulheres, o produtor faz questão de ressaltar que nunca trabalhou com diferença de salários e enaltece a evolução no diálogo, organização, cumprimento das ordens e trabalho em equipe que a presença feminina trouxe para a fazenda. 

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