Geada atinge canaviais paulistas e obriga replanejamento emergencial da safra

Uma frente fria intensa surpreendeu produtores de cana-de-açúcar no interior do estado de São Paulo, deixando rastros preocupantes nos canaviais da região de atuação da Canaoeste. As geadas registradas na madrugada da quarta-feira (25) impactaram diretamente lavouras em múltiplas fases vegetativas, desde áreas recém-colhidas até talhões em estágio de brotação e plantas adultas prestes a serem colhidas. O cenário acende um alerta vermelho para o setor sucroenergético, que já enfrentava desafios logísticos e operacionais típicos da entressafra.
Segundo o engenheiro agrônomo André Volpe, da Canaoeste, o fenômeno climático foi mais severo nas baixadas, como já era esperado, mas chamou atenção por também afetar áreas de maior altitude — algo incomum, mas não inédito em eventos extremos como este. “Tivemos impacto em áreas que, historicamente, não são suscetíveis a esse tipo de dano. Isso amplia a zona de risco e demanda atenção em praticamente toda a área de cobertura da cooperativa”, explica o técnico.
Volpe destaca que o dano é variado e depende de diversos fatores agronômicos, como o estágio fenológico da planta, a variedade utilizada, o histórico de manejo da palha e a fertilidade do solo. Essa combinação de elementos cria um mosaico de situações, exigindo um trabalho técnico minucioso para diagnóstico preciso e ágil.
Brotação sob risco, produtividade em xeque
Um dos principais pontos de preocupação está nos talhões em brotação — fase crítica do desenvolvimento da cana, pois define o potencial produtivo do próximo ciclo. De acordo com Volpe, dependendo da severidade dos danos nas gemas apicais e laterais, o produtor poderá ter de adotar manejos específicos, como rebrota forçada, replantio parcial ou até o uso de bioestimulantes. Em muitos casos, porém, a recuperação pode ocorrer naturalmente, desde que as condições climáticas posteriores sejam favoráveis.
Para as áreas maduras e ainda não colhidas, a recomendação técnica é clara: antecipar a colheita o quanto antes. “A perda de sacarose e de peso nos colmos tende a acelerar nos próximos dias, especialmente em áreas com temperatura e umidade elevadas. Essa deterioração pode tornar a cana imprópria para moagem em poucos dias, comprometendo a qualidade da matéria-prima e, consequentemente, o rendimento industrial”, ressalta o agrônomo.
Diagnóstico técnico exige tempo e precisão
Máyra Martins Teixeira, Gerente de Produção Agrícola da Nova América, reforça que o levantamento dos danos é um processo técnico que exige tempo, rigor e paciência. A avaliação nos talhões segue um protocolo consolidado: equipes especializadas coletam amostras em ao menos três pontos por área, analisando o estado das gemas apicais, laterais e a integridade interna dos colmos.
“É fundamental aguardar entre 8 e 10 dias após o evento climático para realizar esse levantamento, pois é nesse intervalo que os sintomas da geada se manifestam com clareza. Antes disso, qualquer diagnóstico seria precipitado. Por isso chamamos esse fenômeno de ‘geada que anda’: os danos continuam se expandindo mesmo após o gelo desaparecer do campo”, explica Máyra.
A análise técnica inclui observação de coloração interna dos tecidos, odor, textura e vitalidade das gemas — indicadores que apontam a gravidade do impacto e guiam a decisão sobre o destino da lavoura: colheita, roçagem ou manutenção.
Notas técnicas padronizam impacto e guiam estratégia
Para facilitar o planejamento das usinas e padronizar a comunicação entre os profissionais de campo e os gestores agrícolas, adota-se um sistema de notas de 1 a 5. A classificação varia de plantas praticamente intactas (nota 1) até colmos completamente comprometidos (nota 5), com tecido enegrecido, odor forte de fermentação e morte generalizada das gemas.
Esse sistema se mostrou essencial para decisões rápidas. Por exemplo:
Nota 1: planta saudável, sem intervenção necessária;
Nota 2: morte da gema apical, mas gemas laterais viáveis — possível uso como muda;
Nota 3-4: dano médio a alto, risco elevado de perda de qualidade — colheita urgente;
Nota 5: planta inviável, morte total das gemas — roçagem ou replantio.
Tecnologia e sensoriamento remoto aceleram respostas
Com o objetivo de aumentar a agilidade na tomada de decisão, ferramentas de sensoriamento remoto vêm sendo incorporadas à rotina das equipes de campo. O CTCSat, plataforma oferecida pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), utiliza algoritmos para cruzar imagens anteriores e posteriores ao evento climático, destacando áreas com alterações visuais significativas. Isso permite que os técnicos priorizem as visitas a regiões mais críticas e reduzam o tempo de resposta.
“Não substitui o olho no campo, mas otimiza muito o direcionamento das equipes. Com o CTCSat, conseguimos mapear rapidamente o que antes exigia dias de observação”, comenta um dos técnicos envolvidos na operação emergencial.
Risco microbiológico e deterioração acelerada após a geada
A preocupação com a deterioração da cana não termina com o congelamento. Pelo contrário, o maior risco está no que vem depois. Com a retomada das temperaturas, áreas úmidas e lesionadas tornam-se o ambiente ideal para a proliferação de microrganismos como a bactéria Leuconostoc mesenteroides.
Essa bactéria metaboliza o açúcar da cana e libera compostos como manitol e dextranas, que afetam diretamente o rendimento industrial e a qualidade do produto final. Em menos de uma semana, os colmos afetados podem exalar odor azedo e tornar-se inviáveis para processamento.
Por isso, além da análise visual, os técnicos estão realizando testes laboratoriais como medição de pH e acidez titulável. Em casos críticos, realiza-se o desponte da cana: corte do topo da planta abaixo da área afetada, evitando que tecidos fermentados sejam enviados à indústria.
Realocação emergencial da colheita e estratégias de recuperação
Com os dados de campo em mãos, o planejamento de colheita sofre uma reorganização completa. Áreas previstas para o final da safra são antecipadas para minimizar perdas. Em paralelo, talhões com brotação morta ou notas críticas são direcionados para roçagem — prática que visa promover uma rebrota vigorosa para a próxima safra.
Nos viveiros, o desafio é ainda maior. Mudas danificadas podem comprometer o abastecimento de material genético para o ciclo seguinte. Testes de germinação ajudam a identificar o que pode ser aproveitado. Já nas áreas de formação, a resposta depende do estágio das plantas. Lavouras jovens, sem entrenós formados, tendem a rebrotar mais facilmente com ajuda de irrigação, fertirrigação e bioestimulantes. Em plantas mais maduras, o manejo pode exigir rebaixamento do dossel para estimular recuperação.



Compartilhe este artigo:
Veja também:
Você também pode gostar
Confira os artigos relacionados: