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Vinhaça: biofertilizante e energia sustentável

RenovaBio

O Brasil assumiu, em 2015, o compromisso voluntário na COP21 para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 43%, base 2005, meta a ser atingida até 2030. Para alcançar tal meta, uma série de indicações terão de ser seguidas em diversos setores da gestão pública dos recursos naturais, até 2030, e o RenovaBio, programa do Governo Federal, lançado pelo Ministério de Minas e Energia, em dezembro de 2017, tem objetivo de atender a umas dessas indicações: “aumentar a participação da bioenergia sustentável na matriz energética brasileira para 18%” até 2030.

Com o RenovaBio, a Unica estima que a produção de etanol deva quase dobrar até 2030, passando dos atuais 27 bilhões de litros para cerca de 50 bilhões de litros de etanol por ano. Com esse patamar de produção, praticamente também se dobrará a produção de vinhaça. No entanto nem todo o etanol a ser demandado será o convencional produzido localmente.

O mercado poderá também ser abastecido por etanol de milho e por etanol de cana e de milho de 2ª geração, ou ainda de outras fontes, produzidos localmente ou importados. Todavia a maior parte desse volume será produzida localmente, a partir da cana, e, admitindo que essa parcela corresponda a 90% do volume ofertado em 2030, ou seja, 45 bilhões de litros, o setor sucroenergético terá que se preparar para prover as condições necessárias para que essa produção seja feita de forma sustentável, devendo ser objetos de atenção o manejo e a destinação final da vinhaça. Considerando a taxa de geração de vinhaça normalmente utilizada de 12 litros de vinhaça por litro de etanol produzido, estima-se, para 2030, um volume de aproximadamente 540 bilhões de litros de vinhaça por ano.

A carga orgânica relacionada é de cerca de 13 bilhões de kg DQO ao ano, cujo aproveitamento energético com a produção de biogás (60% de metano) redundaria, no ano de 2030, em cerca de 5 bilhões de Nm3/ano. Isso significa um potencial de geração de energia elétrica por motogeradores a biogás da ordem de 9 TWh/ano (1 GW médio), podendo-se incrementar cerca de 1,5% na atual produção de EE no Brasil. Por outro lado, caso todo esse biogás se transformasse em biometano, seriam cerca de 3 bilhões de Nm3/ano, que, comparativamente, representa 13% da atual produção de gás canalizado no Brasil. Sem dúvida, uma grande contribuição na sustentabilidade da matriz energética brasileira, acrescentando em paralelo à produção do biocombustível etanol uma parcela significativa, estimada em 10% a mais em termos de produção energética nas usinas.

Para atender a essa disponibilidade incremental de vinhaça, há necessidade de se expandir a área de fertirrigação, hoje estimada em 30% a 40% da área de cana, uma vez que a maior parte desse acréscimo na produção agrícola será através de crescimento vertical de produtividade, ou seja, maior geração de vinhaça para a mesma área agrícola, com, por exemplo, maior uso de irrigação e de fertirrigação, além de outros aspectos agrícolas. Atualmente, esse manejo da vinhaça é realizado através da fertirrigação convencional por aspersão, que está de acordo com as normas ambientais de prevenção de poluição.

Aliadas ao manejo convencional atual, duas tecnologias podem ser mais intensamente utilizadas para dar uma maior sustentabilidade ao uso da vinhaça na fertirrigação: a biodigestão, para o aproveitamento energético e produção de uma vinhaça mais neutra, e a concentração, em vários níveis, para a produção de um biofertilizante a ser aplicado diretamente na linha de cana (vinhaça localizada), atendendo ambas, tanto o aspecto agronômico como também uma maior sustentabilidade ambiental, além de uma maior economia na substituição do insumo cloreto de potássio.

Em relação à tecnologia de biodigestão da vinhaça visando à produção energética, desde a década de 1980, o setor vem tateando essa tecnologia, chegando a construir uma planta demonstrativa de grande escala na Usina São João da Boa Vista, SP, que produziu biometano para atender à frota de caminhão, em substituição ao diesel, porém desmobilizada anos depois por não trazer competitividade frente ao diesel na época.

Já a concentração ou mesmo a pré-concentração ou vinhaça naturalmente mais concentrada enriquecida com demais nutrientes, para aplicação diretamente no sulco de plantio da cana, vem no sentido de aumentar a distância econômica para o seu uso, podendo atingir canaviais mais distantes, uma vez que o  que restringe o uso agrícola da vinhaça é a distância econômica, pelo fato de se ter um resíduo com alto teor de água (cerca de 97%), encarecendo o seu transporte e a distribuição no campo.

Em níveis naturais, a fertirrigação com vinhaça atinge, economicamente, distâncias de até cerca de 20 km; já a vinhaça pré-concentrada ou naturalmente mais concentrada (originada de melaço e caldo em destilarias anexas à fábrica de açúcar) e enriquecida pode atingir a distância econômica de até 40 km e, no caso da concentração efetiva a cerca de 20 °Brix, a vinhaça pode atingir distâncias bem maiores, de até 80 km, porém com vultosos investimentos e necessidades de energia térmica (cerca de uma dezena de usinas instalaram esse equipamento).

Ao final, o modelo tecnológico apregoado para a vinhaça é a produção energética sem perder o poder fertilizante, ou seja, um modelo clássico de biorrefinaria com aproveitamento de resíduos e substituição de insumos fósseis e químicos. Assim, se vislumbram as tecnologias de concentração da vinhaça e de biodigestão, para a produção de biofertilizante e de bioenergia (biogás e biometano), tendo-se ainda como subproduto a geração de água limpa, que poderá retornar ao processo industrial, reutilizando mais ainda esse importante insumo.

Dando início a essa “revolução” tecnológica no aproveitamento energético da vinhaça, aguarda-se, para 2020, a inauguração de planta industrial para a produção energética a partir de resíduos na Usina Bonfim/Raízen, com uma potência instalada de 21 MW para a produção de bioeletricidade de 138.000 MWh/ano. Outro projeto de biodigestão, este focando a produção de biometano, foi anunciado pelo Grupo Cocal juntamente com a empresa GasBrasiliano, como a produção de biometano na unidade de Narandiba, da Cocal, a partir dos resíduos da cana-de-açúcar (vinhaça, torta de filtro e palha da cana). A previsão é que a operação comece no segundo semestre de 2020, tendo sido estimado um investimento total no projeto de R$ 160 milhões, com uma unidade que terá capacidade de ofertar até 67 mil m3 de biometano por dia.

Com o RenovaBio, se apresenta uma grande oportunidade para o setor sucroenergético mudar definitivamente a forma como tem manejado os resíduos, podendo atingir um novo patamar tecnológico, onde se integram a produção energética com a produção de biofertilizante, com os ganhos ambientais e econômicos, em termos de uso de adubos minerais, e diminuição dos GEEs (podendo, em certos casos, zerar a emissão de GEEs com a produção do biometano) e maior segurança ambiental na utilização desses resíduos, especialmente a vinhaça, tornando-a mais sustentável ainda, com a possibilidade de substituir todo o cloreto de potássio na lavoura canavieira.

Por André Elia Neto – Consultor Ambiental e de Recursos Hídricos da UNICA

Fonte: Revista Opiniões 

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